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Um outro Benjamin

FOLHA DE S. PAULO Domingo, 3 de julho de 1994 6-11 Um outro Benjamin A obra Fisiognomia Metrópole Moderna Representação da História em Walter Benjamin. de WiIIi Bolle.Ilustrações de Lena Bergstein. Edusp JEANNE MARIE GAGNEBIN Especial para a Folha Alguns meses atrás, Marcelo Coelho se queixava, com toda ra¬zão, nesta mesma Folha, de uma certa “inflação de estudos sobre Walter Benjamin''; pedia um pou¬co mais de parcimônia na citação de sua obra", Ora, temos agora no importante trabalho de Willi Bolle, “Fisiognomia da Metrópole Mo¬derna", mais um estudo sobre esse pensador judeu, alemão, marxista, teólogo e poeta que parece fasci¬nar, justamente por sua pluralidade de rostos e de estilos, nosso fin-de-¬siècle desorientado. Só que o tra¬balho de Willi Bolle vai a contrapelo das apropriações apressadas e das citações complacentes; fará. sem dúvida, data na recepção de Benjamin no Brasil. Resultado de muitos anos de pesquisa -seu primeiro esboço se concreti

ilustrada Domingo 8 de maio de I994 6-13 OLHO CLÍNICO Rorty e a psicanálise JURANDIR FREIRE COSTA Especial para a Folha Richard Rorty é um dos mais notáveis pensadores da atualidade. A leitura neopragmática que faz da filosofia da linguagem, da filosofia da mente, da teoria do conheci¬mento, da filosofia moral etc., é ousada, nova e admiravelmente in¬ventiva. Por isso, abre um horizonte intelectual que vai muito além das disciplinas investigadas. Exemplo típico é o caso da psi¬canálise. Rorty nunca tomou explicitamente a psicanálise como obje¬to de estudo. Entretanto, alguns dos seus trabalhos (por exemplo "Contingence lrony and Solida¬rity", "Freud and Moral Reflexion", "Non-reductive Physica¬lism" etc.) renovam, de modo iné¬dito e surpreendente, noções psica¬nalíticas como a do sujeito na relação com a linguagem e a ver¬dade. Para Rorty, o que denominamos sujeito não é um dado pré- existente aos elementos linguísticos constitutivos de sua descrição. O “su¬jeito”, o “eu'' ou “self” são um efeito de linguagem. Mas linguagem, aqui, não eqüivale à competência abstrata para produzir falas particulares como em Chomsky, ou à estrutura formal de todas as falas possíveis, como em Saussure. Na tradição pragmática de Wittgenstein, Austin, Quine e David¬son, linguagem é simplesmente o conjunto de atos de fala empregados pelos usuários competentes de uma língua. O que distingue o sujeito enquanto rede linguística de outros efeitos de linguagem, sem referência a estados ou processos subjetivos, é o fato de ser pensado como "a parte da rede de crenças e desejos postulada como causa interior do comportamento lingüístico de um organismo singular''. Em outros termos, o eu é a fração linguagem entendida como aquilo que é causa ou que está na origem da linguagem. As consequências desta afirmação são inúmeras. Em primeiro lu¬gar, o sujeito é despojado de todo suporte ''essencial'', idealista ou realista. Nem corpo, nem conceito, em sensível nem inteligível, nem superficial, nem profundo, o sujeito é uma realidade linguística -realidade psíquica, disse Freud. E por ser lingüística depende de contextos históricamente contigentes. Assim sendo, nenhuma identi¬dade subjetiva- emocional, inte¬lectual, sexual, etc- é “natural” ou ''universal”. Nossas crenças sobre o que é normal ou anormal, natural e antinatural nas condutas humanas não designam uma “realidade extra-linguística” anterior ou heterogênea à linguagem; exibem opções e preferências morais da cultura a que pertencemos. Em segundo lugar, o sujeito descrito desta forma não possue centro ou núcleo verdadeiro, nem estrutural nem histórico. Flexionando pragmaticamente a teoria semântica da verdade de Quine e Davidson, Rorty afirma que "verdadeiro é aquilo que é aprovado num sistema de crenças válido para a maioria dos fatos na maioria dos casos". Dito de outra maneira, verdadeira é a descrição do sujeito que satisfaça as exigên¬cias morais do certo e do errado, do bom e do mau, numa dada forma de vida. No neopragmatismo, portanto, o fundamental, em Freud, não é a descoberta de explicações causais deterministas e supostamente cien¬tíficas do que sentimos, pensamos e fazemos: é a construção da ima¬gem do sujeito como um retecer permanente de crenças e desejos que cessa, provisoriamente quan¬do um dado estado de satisfação moral é obtido. Na clínica como na vida podemos desejar alterar estados subjeti¬vos por diversos motivos. Porém. quando alcançamos a alteração de¬sejada, e ela é satisfatória, “nada mais é preciso, nada mais é possível'', como disse Davidson. O critério da satisfação moral é, deste modo, decisivo no julgamento que fazemos sobre a “normalidade” ou “'anormalidade” das organizações psíquicas bem como sobre o sucesso ou insucesso do processo psicanalítico. Qualquer outro critério pretensamente um dado em argumentos racionais in¬dependentes de práticas culturais específicas pressupõe, sem tornar claro, o acordo em torno de crenças éticas compartilhadas na lini¬guagem ordinária. E o adeus pro¬saico, wittgensteiniano, dado por Rorty à metafísica da falta, do desejo ou do verdadeiro sujeito, contida em tantas versões da psicanálise. A meu ver, sua interpretação neopragmática do sujeito restitui a força original do pensamento freudiano. Ou seja, primeiro a escuta solidária das existencias individuais em conflito com os vocabulários morais dominantes; depois as metapsicologias. Estas serão sempre bem vindas, desde que não pretendam aposentar precocemente vidas e desejos em ''pequenas nosologias” e “pe¬quenas teorias". Fazendo filosofia, Rorty fez o que de melhor po¬de ser feito em psicanálise: enten¬der Freud. É um autor de gênio, comprometido com o humanamente digno. Pode haver maior elogio? JURANDIR FREIRE COSTA é psicanalista.

ilustrada Domingo 8 de maio de I994 6-13 OLHO CLÍNICO Rorty e a psicanálise JURANDIR FREIRE COSTA Especial para a Folha Richard Rorty é um dos mais notáveis pensadores da atualidade. A leitura neopragmática que faz da filosofia da linguagem, da filosofia da mente, da teoria do conhecimento, da filosofia moral etc., é ousada, nova e admiravelmente inventiva. Por isso, abre um horizonte intelectual que vai muito além das disciplinas investigadas. Exemplo típico é o caso da psicanálise. Rorty nunca tomou explicitamente a psicanálise como obje¬to de estudo. Entretanto, alguns dos seus trabalhos (por exemplo "Contingence lrony and Solida¬rity", "Freud and Moral Reflexion", "Non-reductive Physicalism" etc.) renovam, de modo inédito e surpreendente, noções psicanalíticas como a do sujeito na relação com a linguagem e a verdade. Para Rorty, o que denominamos sujeito não é um dado pré- existente aos elementos linguísticos constitutivos de sua descrição. O “

Ensaio Sobre os Elementos de Filosofia

Especial A-4 segunda-feira; 3 de abril de 1995 jornal de resenhas FOLHA DE S. PAULO/Discurso Editorial/USP '~ Os fatos e as quimeras Franklin de Matos Ensaio Sobre os Elementos de Filosofia Jean Le Rond D'Alembert traduçâo: Beatriz Sidou Ed. da Unicamp, 184 págs. R$ 12,04 Certamente D'Alembert foi um dos maiores exemplos daquele ideal, próprio da Ilustração, de juntar, numa única figura, o sá¬bio, o filósofo, o homem de le¬tras (só me ocorre outro caso assim acabado, em dosagem dife¬rente o de Goethe). Considerado um dos mais iminentes matemáticos do século 18, D'Alembert foi ainda autor de vários textos fundamentais para a compreensão das Luzes (o mais célebre é o "Discurso Preliminar da Enciclopédia", da qual ele foi um dos dire¬tores). Alem disso, embora não se possa di¬zer que sua prosa seja lépida ou vertiginosa como a de Voltaire, generosa e eloqüente como a de Rousseau, ou ágil e cheia de ver¬ve como a de Diderot, os livros q

Hegel filosofa sobre a essência da caneta

Domingo, 23 de abril de 1995 5- 11 Folha de São Paulo Hegel filosofa sobre a essência da caneta OLGÂRIA CHAIM FÉRES MATOS Especial para a Folha Em “Como o Senso Comum Compreende a Filosofia”, um escrito de juventude, Hegel se propõe responder a seu contemporâneo Krug, representante emblemá¬tico do senso comum filosófico". Propõe-se em termos, pois considera seu contendor - que sucede Kant na Universidade de Konigs¬berg -o próprio 'non sense' realista. O interlocutor, à primeira vista, é inocente: manifesta perplexidade frente às filosofias do idealismo transcendental, em particular as de Schelling, Hegel e Fichte, dando a entender que o Criticismo não passa de esquizofrenia da Razão) quan¬do diferencia Eu empírico e Eu transcendental. Eis o que inviabilizaria explicar as “simples coisas'', aquelas dadas, ou melhor, pré-dadas: ingênuo em seu naturalismo, Krug adere existência de seres e objetos, igno¬ra a consciência que lhes confere existência e intel

FILÓSOFO ESCREVE SOBRE O BRASIL

FILÓSOFO ESCREVE SOBRE O BRASIL VOLTAIRE Acabamos de ver, no meio das terras da América, multidões de povos civilizados, in¬dustriosos e aguerridos, descobertos e domi¬nados por um pequeno número de espanhóis. Mas os portugueses, conduzidos pelo florenti¬no Américo Vespúcio, tinham descoberto desde a época das viagens de Cristóvão Co¬lombo, no ano de 1500, países não menos vastos, não menos ricos e povoados por na¬ções completamente diferentes. Vespúcio chegou às costas do Brasil situadas perto do Equador. E o terreno mais fértil da Terra, o céu mais puro e o ar mais saudável. O vento do Orien¬te, que a rotação da terra em seu eixo faz gerar continuamente entre os dois trópicos, depois de atravessar mil léguas de mar, traz ao Brasil uma doce aragem que tempera o calor de um sol sempre vertical e garante uma primavera eterna. As árvores desse solo desprendem um odor delicioso. As montanhas têm ouro, as rochas, diamantes e todas as frutas nascem nos campos não cultivados. A vida dos

A guerra sem fim da razão

A guerra sem fim da razão A batalha de Voltaire pelos direitos humanos permanece inacabada no Brasil e no mundo SÉRGIO PAULO ROUANET Especial para a Folha Em que sentido podemos dizer que a batalha de Voltaire pelos di¬reitos humanos ainda é indefini¬damente atual", nas palavras de Valéry? Ela é atual, no Brasil e no mun¬do, porque está inacabada. E atual porque apesar de progressos Im¬portantíssimos. muitas das aberra¬çôes que Voltaire combateu renasceram ou se agravaram. E o que podemos verificar em cada um dos direitos pelos quais Voltaire se ba¬teu. É o caso do direito à razão, o valor mais alto da Ilustração e o mais decisivo para Voltaire, porque é a condição de possibilidade de todos os outros. O pensamento ainda está sujeito a restrições poli¬ciais em grande parte da humani¬dade. Nos países em que elas não existem, a "servidão voluntária'' induzida pelo conformismo e pela propaganda impede as pessoas de pensarem por si mesmas. Os fundamentalismos reli

Letras e Luzes de Voltaire

Domingo 20 de novembro de 1994 mais! Folha de São Paulo 6-4 Letras e Luzes de Voltaire Amanhã faz 300 anos que o filósofo, dramaturgo, poeta e romancista François Marie Arouet nasceu em Paris RICARDO MUSSE Especial para a Folha À luz da situação atual da divisão intelectual do trabalho, a obra de Voltaire, em seu conjunto, soa anacrônica, confusa e até mesmo incompreensível. Admitimos o in¬teresse por todos os assuntos da cultura humana em gênios de uma outra época, como Da Vinci. Mas por que Voltaire, cujas opiniões são tão próximas às nossas e tão de acordo com a realidade do mundo industrial, não se concentrou em especialidades determinadas? Essa questão nem sempre é pos¬ta assim tão brutalmente. Aliás, na maioria das vezes, sequer é expli¬citada. Mas, nem por isso deixa de ser tematizada. Para uns, a trajetó¬ria de Voltaire resulta de um equívoco. Ele quis, inicialmente, ser o sucessor de Racine- logo, um continuador do classicismo poéti¬co- visando, num arrivismo

A TEORIA DE MARX, A CRISE E A ABOLIÇÃO DO CAPITALISMO

Robert Kurz A TEORIA DE MARX, A CRISE E A ABOLIÇÃO DO CAPITALISMO Perguntas e respostas sobre a situação histórica da crítica social radical Nota: A entrevista que se segue constitui a introdução a uma colectânea de análises e ensaios do autor a publicar em França. O que torna esta crise diferente das anteriores? O capitalismo não é o eterno retorno cíclico do mesmo, mas um processo histórico dinâmico. Cada grande crise se encontra num nível de acumulação e de produtividade superior aos do passado. Portanto, a questão da dominação ou não dominação da crise coloca-se de forma sempre nova. Os mecanismos anteriores de solução perderam a validade. As crises do século XIX foram superadas porque o capitalismo ainda não tinha coberto toda a reprodução social. Havia ainda um espaço interno de desenvolvimento industrial. A crise económica mundial dos anos de 1930 foi uma ruptura estrutural num nível muito mais elevado de industrialização. Ela foi dominada através de novas indús

Platão matemático e Euclides e a curva de Gauss

Platão (427-347 a.C.) foi um filósofo entusiasta da matemática a qual via como uma ciência que independe da experiência. Já Euclides de Alexandria (c. 300 a.C.), na obra Os elementos o uso exclusivo da régua e do compasso nas construções geométricas é uma constante. Os polígonos regulares construídos por Euclides destacam-se pela beleza e utilidade (triângulo, quadrado, pentágono, hexágono, decágono e pentadecágono). O pentágono regular é muito provavelmente uma herança da matemática pitagórica. Euclides - o boa luz - (figura ao lado) é sempre referido como o Pai da geometria. Karl Friedrich Gauss (1777-1855) conseguiu demonstrar que o heptadecágono regular (17 lados) pode ser construído com régua e compasso apenas..... Mais tarde ele descobriu uma regra geral pela qual se determina se um polígono regular pode ou não ser construído com régua e compasso. Foi uma menino prodígio....

As práticas de leitura enquanto práticas sociais

David Barton Em todas as colectividades, os modelos comuns libertam-se das actividades da leitura e da escrita. É preciso ver estas práticas como elementos das práticas sociais. As pessoas agem por uma razão qualquer; elas perseguem os seus objectivos. A leitura e a escrita servem outros fins. Normalmente, as pessoas não lêem por ler e não escrevem por escrever, lêem e escrevem para fazer outra coisa, para atingirem outros fins. As pessoas querem saber a que horas parte um comboio ou como funciona um novo relógio ou um magnetoscópio; querem manter o contacto com um amigo; querem fazer-se entender. Têm que pagar as facturas, saber cozer um bolo de aniversário. Ler e escrever podem fazer parte destas actividades sociais. Elas integram-se de diferentes maneiras_ Podem fazer parte da actividade ou ter uma relação mais complexa. Le_ escrever são muitas vezes uma opção entre outras para atingir um dado fim de comunicação; para saber a que horas parte um comboio, pode escolher-se entre